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Autor Tópico: VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA  (Lida 2018 vezes)

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ecarmo

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VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA
« Online: 07/02/11 - 20:43 »
Uma coisa puxa a outra.

O LÉXICO NO POEMA VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA
DE MANUEL BANDEIRA

Por:Luci Mary Melo Leon

“Vou-me Embora pra Pasárgada” foi o poema de mais longa gestação em toda a minha obra. Vi pela primeira vez esse nome de Pasárgada quando tinha os meus dezesseis anos e foi num autor grego. Estava certo de ter sido em Xenofonte, mas já vasculhei duas ou três vezes a Ciropedia e não encontrei a passagem. O douto Frei Damião Berge Informou-me que Estrabão e Arriano, autores que nunca li, falam na famosa cidade fundada por Ciro, o antigo, no local preciso em que vencera a Astíages. Ficava a sueste de Persépolis. Esse nome de Pasárgada, que significa “campo dos persas” ou “tesouro dos persas” suscitou na imaginação uma paisagem fabulosa, um país de delícias como o “L’Invitation au Voyage” de Baudelaire. Mais de vinte anos quando eu morava só na minha casa da Rua do Curvelo, num momento de fundo desânimo, da mais aguda sensação de tudo o que eu não tinha feito na minha vida por motivo da doença, saltou-me de súbito do subconsciente esse grito estapafúrdio: “Vou-me Embora pra Pasárgada!” Senti na redondilha a primeira célula de um poema, e tentei realizá-lo mas fracassei. Abandonei a idéia. Alguns anos depois, em idênticas circunstâncias de desalento e tédio, me ocorreu o mesmo desabafo de evasão da “vida besta”. Desta vez o poema saiu sem esforço, como se já estivesse pronto dentro de mim. Gosto desse poema porque vejo nele, em escorço, toda a minha vida; e também porque parece que nele soube transmitir a tantas outras pessoas a visão e promessa da minha adolescência - essa Pasárgada onde podemos viver pelo sonho o que a vida madrasta não nos quis dar. Não sou arquiteto, como meu pai desejava, não fiz nenhuma casa, mas reconstruí, e “não como forma imperfeita neste mundo de aparências”, uma cidade ilustre, que hoje não é mais a Pasárgada de Ciro e sim a “minha” Pasárgada.

Essa Pasárgada onde podemos viver pelo sonho o que a vida madrasta não quis dar. Bandeira não foi arquiteto como seu pai queria. Mas reconstruiu uma cidade ilustre que deixou de ser a Pasárgada de Ciro para ser a Pasárgada de Bandeira.

A importância desse poema não é simplesmente a redondilha construída à moda do arcadismo, mas no que ele tem de mais representativo da poesia popular. Podemos observar que seus versos são simples sem nenhum esforço artificioso de construção. O poema serve para nos mostrar que o “ir-se embora pra Pasárgada” significa ingressar na vida comum, abandonar-se, ser livre. A fantasia, o “impossível” das imagens por meio das quais o poeta nos transmite a sua vontade de libertação, não nos deve enganar sobre o seu sentido profundamente humano. O poema tem no ritmo apressado e ofegante, dinâmico e violento dos seus versos o sabor das grandes libertações. O poema também tem seu valor pela musicalidade que ele apresenta. Tanto que bandeira declarou que nunca a palavra cantou por si, e só com a música pode ela cantar verdadeiramente.

Pasárgada é o mundo em que o poeta não é tísico. É o grande sonho ou a grande esperança que estejam no mais fundo da alma do homem. Pasárgada é o paraíso do poeta. Lá ele tudo poderá. A mulher que desejava amar. Esta é a idéia principal. É a idéia dominante, que se repete em vários versos. A segunda idéia é a da libertação do mal do corpo. O poeta poderá amar à vontade, como praticar todos atos físicos que a saúde lhe veda no mundo real. Tudo que deveria ter feito enquanto criança. O tempo de menino é reconstruído no seu mundo de imaginação.

Em Pasárgada não poderá haver tristeza nem desalento, pois tudo lhe permitiria o seu rei e livre seria o seu corpo para os prazeres do corpo. A importância do poema transcende a realidade de uma vida triste. É a mistura de momentos paradoxais do poeta. Bandeira remete as imagens da infância e da adolescência pré-tísica que vivenciou. O poema fala da boêmia e da saúde. Pasárgada não é apenas espaço físico, mas espaço-tempo em que aparece o Recife da infância do poeta, “andar de bicicleta, montar em burro brabo, subir no pau-de-sebo, tomar banhos de mar”.

Pasárgada não pode ser lida como uma simples palavra que de forma aleatória o poeta resolveu dar vida. O seu significado está além de qualquer dicionário. O seu valor é uma vida inteira que poderia ter sido vivida e que não passou de sofrimento e desejos somente idealizados. Só conhecendo a vida de Bandeira é que poderemos encontrar um pouco da inspiração que levou o poeta a viver durante muitos anos em Pasárgada. Em Pasárgada ele iria encontrar a Felicidade. Manuel Bandeira continua em Pasárgada: mais que nunca, os poemas do livro que segue libertinagem vêm datados de Pasárgada, e o mistério mais que nunca domina.

O mundo pode ser e deve ser construído a partir das palavras, porque a vida de cada palavra vai além do seu próprio significado. Só o poeta sente o que cada vocábulo carrega no decorrer do texto. A sua capacidade de conviver com as palavras é exatamente esta: a de dizer tudo com um mínimo ou quase nada. As palavras para Bandeira têm uma missão: a de transmitir a tantas outras a promessa da dor, da infância e da adolescência do poeta.


VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA
DE MANUEL BANDEIRA

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar

— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

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VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA
« Online: 07/02/11 - 20:43 »

Offline vhk90

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Re: VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA
« Resposta #1 Online: 04/03/11 - 12:54 »
Mário Quintana é um mestre na literatura. Esse poema é genial. Nao é por menos que existe um espaco em Porto Alegre com o nome do escritor e o espaco é lindo e possuí sempre exposicoes,recitais de poemas ou shows. Me orgulho de ser gaúcho e dizer que aqui nasceu esse grande escritor.

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Re: VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA
« Resposta #1 Online: 04/03/11 - 12:54 »

 

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